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  Justiça Federal suspende efeitos de decisão da SDE contra os médicos

25/05/2011

DECISÃO LIMINAR Nº 304/2011.A

PROCESSO Nº 27.438-35.2011.4.01.3400

AÇÃO ORDINÁRIA

AUTOR: CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA

RÉ: UNIÃO

DECISÃO

(ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA)

O Conselho Federal de Medicina, autarquia especial, criada por lei para registrar, fiscalizar, normatizar, defender as prerrogativas e sancionar os seus inscritos, que exercem a arte da Medicina atuando como profissionais liberais, os quais, para otimizar o incremento de clientela aderem a empresas que administram planos individuais e coletivos de prestação de serviços de saúde, autorizados e fiscalizados pela União por intermédio da Secretaria de Saúde Complementar, vem a Juízo pedir proteção em face de ter sido atingido por ato administrativo que diz ser ilegal, produzido por autoridade incompetente, reproduzido às fls. 280/286.

O ato encampou o parecer da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, e entrou no mundo jurídico sob a forma de despacho do Secretário, cuja formalização seguiu a publicação do seu teor no órgão oficial.

A decisão gerou efeitos e atingiu a esfera de direitos do Conselho Federal de Medicina (fls. 284/285) diz que tendo em vista os requisitos apregoados no artigo 52 da Lei n. o 8.884/94, determino a Adoção de Medida Preventiva criando obrigação de não fazer para os Representados, porque além da autora estão sujeitos às mesmas imposições outros entes, conforme se descreve:

(1) de se abster (em) de utilizar os artigos 18, 48, 49 e incisos XV dos Princípios Fundamentais do Código de Ética Médica para fundamentar a instauração de Sindicância ou processos Administrativos Disciplinares contra médicos que não acompanharem as decisões das entidades médicas quanto a honorários e rescisões contratuais;

(2) de se abster (em) de utilizar os artigos 18, 48, 49 e o inciso XV dos Princípios Fundamentais do Código de Ética Médica para coagir ou obrigar a participação de médicos em movimentos de negociação coletiva ou sua adesão às decisões das entidades médicas;

(3) de se abster (em) de promover, fomentar ou coordenar qualquer movimento de paralisação coletiva de atendimentos aos beneficiários dos planos de saúde por tempo indeterminado ou descredenciamento em massa;

(4) de se abster (em) de divulgar os valores das consultas, portes e Unidades de Custos Operacionais, ou quaisquer indexações que reflitam nos valores pagos pelas operadoras aos médicos;

(5) de se abster (em) de impedir a negociação direta e individual de honorários entre médicos e operadoras de planos de saúde ou hospitais;

(6) de cumprir (em) obrigação de fazer determinando a suspensão da vigência de qualquer ato normativo ou orientação que respaldem a cobrança direta pelos médicos de valores adicionais por consultas ou procedimentos dos beneficiários de planos de saúde credenciados;

(7) de cumprir (em) obrigação de fazer determinando a suspensão da vigência de qualquer ato normativo que se abstenham ou orientação que fixe valores de consultas e procedimentos médicos;

(8) de cumprir (em) obrigação de fazer fazendo publicar, em pelo menos um dos dois jornais de maior circulação Nacional, o teor do Comunicado a seguir descrito, juntando aos autos cópia da referida publicação no prazo de 20 (vinte) dias: "aos médicos, operadoras e consumidores de planos de saúde: O Ministério da Justiça, por detectar a possibilidade de danos irreparáveis, adotou Medida Preventiva em processo que investiga a atuação do Conselho Federal de Medicina, da Associação Médica Brasileira e da Federação Nacional dos Médicos. Pela determinação ministerial as entidades devem coibir a cobrança de valores suplementares, no ato do atendimento médico, dos pacientes que possuam plano de saúde conveniado. O Ministério também proibiu a realização de paralisações de atendimento aos beneficiários de planos de saúde de forma generalizada e por tempo indeterminado e vedou que as entidades coordenem descredenciamentos em massa. O CFM, a AMB e a FENAM podem ser punidas com multa diária de aproximadamente R$50.000,00 (cinquenta mil reais) caso descumpram a decisão. Os consumidores eventualmente lesados devem procurar os órgãos de defesa do consumidor" (sic); á

(9) que divulgue(m) em suas páginas eletrônicas e façam publicar nas páginas eletrônicas de todos os Conselhos Regionais de Medicina e filiadas da AMB e da FENAM o seguinte comunicado, juntando aos autos cópia das referidas publicações no prazo de 20 (vinte) dias (...).

Concluiu afirmando que para a hipótese de descumprimento da Medida Preventiva, com fundamento no artigo 25 da Lei n.o 8884/94, fixo multa diária de 50.000 (cinquenta mil) UFIRS. Intime(m)-se os representados, nos termos do artigo 33 da Lei n.o 8884/94, para que apresentem defesa no prazo de 15 (quinze) dias, observando o disposto no artigo 37 do mesmo diploma legal. Publique-se.

A Constituição Federal, no artigo 170, quando trata das normas programáticas diz que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observando os seguintes princípios: IV – livre concorrência; V- defesa do consumidor.

Adiante, no parágrafo único, o comando determina que é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

O parágrafo 4º do artigo 173, ainda das normas programáticas relativas aos princípios gerais da atividade econômica, determina que a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, a eliminação da concorrência e ao aumento abusivo dos lucros.

A Lei nº 8.137, de 1990, no artigo 4º criou os tipos e descreve as condutas que tipificam como crimes contra a ordem econômica e as relações de consumo.

Em todos os incisos, diz que os ilícitos são praticados por empresas, não havendo uma só referência a profissional individual ou agregados em coletividade eventual ou vinculado a órgão que não se assemelha da empresa.

O conceito de empresa é encontrado no texto do Código Civil, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, em cujo artigo 966 o comando diz que se considera empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.

Contrário sensu, o parágrafo único do referido dispositivo restringe o conceito ao determinar que não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento da empresa.

Para se tomar empresário é obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início da atividade.

Conjugando os dispositivos da Lei nº 8.137, de 1990 com estes, da Lei nº 10.406, de 2002, a exegese conduz à impossibilidade de se admitir que o exercício da atividade denominada de medicina curativa e preventiva se confunda com o conceito de empresa e de empresário.

O médico exerce atividade lícita, depois de obter título de Graduação em Instituição de Ensino Superior com sede no País, e eventualmente no exterior, sujeito à revalidação perante o órgão interno local, sendo exigida a inscrição como profissional da área no Conselho Regional de Medicina da unidade da federação onde irá desenvolver sua arte, o qual tem vinculação com o Conselho Federal de Medicina, formando também uma espécie de federação de profissionais.

O Médico, como titular de uma arte científica por excelência, pratica a Medicina amparado pela garantia do cidadão instituída na Carta de Garantias, no artigo 5º, inciso XIII, cujo comando diz que é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.

Examinando a Lei nº 8.884/94, constata-se que instituiu, no Título IV, da Secretaria de Direito Econômico.

No artigo 14 está definida a sua competência, em 16 (dezesseis) incisos.

Examinando-os chega-se à exegese de que a primeira diz que deve ser a de zelar pelo cumprimento da lei, monitorando e acompanhando as práticas de mercado. No segundo que é a de acompanhar as atividades e práticas comerciais de pessoas físicas ou jurídicas que tiverem posição dominante em mercado relevante e de bens ou serviços. Adiante, no quarto, de instaurar procedimento administrativo para apuração e repressão de infrações à ordem econômica.

No inciso XI a de adotar medidas preventivas que conduzam à cessação da prática que constitua infração da ordem econômica, fixando prazo para seu cumprimento e o valor da multa diária a ser aplicada, no caso de descumprimento.

No artigo 20 estão conceituadas as infrações à ordem econômica que são as de limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; dominar mercado relevante de bens ou serviços; aumentar arbitrariamente os lucros; exercer de forma abusiva posição dominante. Seguem conceitos relativos à conquista de mercado, que, se decorrente da maior eficiência do agente em relação a seus competidores, não caracteriza ilícito. E, configura posição dominante, quando uma empresa ou grupo de 'empresas controla parcela substancial de mercado relevante, como fornecedor, intermediário, adquirente ou financiador de um produto, serviço ou tecnologia a ele relativa.

Seguem, no artigo 21, outras descrições de condutas, todas voltadas para as empresas.

O ato administrativo questionado não passa pelo exame de um dos pressupostos. É de conhecimento comum e elementar que para a validade, o ato administrativo deve ter presentes a competência, finalidade, forma, motivo e motivação.

A competência é a atribuição, por lei, de poderes para a produção do ato. Ausente esta, o ato estará viciado pelo abuso de poder e não terá validade e nem eficácia.

Um dos mais conhecidos e festejados Administrativistas do meu tempo foi Hely Lopes Meirelles. Dotado de uma concisão formidável, conseguiu reunir num único livro os conceitos do Direito Administrativo.

Ao discorrer sobre o ato administrativo e seus requisitos, ensinou que a competência é a condição primeira de sua validade. Entende-se por competência administrativa o poder atribuído ao agente da Administração para o desempenho específico de suas funções. A competência resulta da lei e por ela é delimitada. Todo ato emanado de agente incompetente, ou realizado além do limite de que dispõe a autoridade incumbida de sua prática, é inválido, por lhe faltar um elemento básico de sua perfeição, qual seja, o poder jurídico para manifestar a vontade da Administração. Daí a oportunidade advertência de Caio Tácito de que "não é competente quem quer, mas quem pode, segundo a norma de Direito".

A competência, sendo um requisito de ordem pública, é intransferível e improrrogável pela vontade dos interessados¹.

¹ Meirelles, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro. pág. 133, 23." Edição, Malheiros Editores, 1998.

Estou convencido de que as expressões mercado e empresa não se confundem e nem se aplicam à prática da atividade da "Medicina" e suas relações com seus pacientes ou com as empresas que contratam com o público em geral o fornecimento de serviços, mediante adesão e pagamento de valor mensal, bem como o órgão de fiscalização da atividade criado por lei com competência específica, que não atua no mercado ou como empresa.

Entendendo que o ato administrativo está viciado pelo abuso de poder, dada a ausência de competência para interferir nas relações dos Médicos com seus pacientes ou com os Planos de Saúde que pretendem mediante contrato de adesão, fazer com que trabalhem para os terceiros que solicitam os serviços de sua arte científica pelos valores que se propõe a pagar, será controlado pelo poder jurisdicional.

Amparado nestes fundamentos concedo a proteção requerida. Constitui-se de ordem mandamental, com a autorizado do artigo 273, § 7º do Código de Processo Civil, suspendendo os efeitos do Despacho do Secretário de Direito Econômico número 336, datado de 6 de maio de 2011, reproduzido à fls. 284/285, até o julgamento do mérito da ação ou até que segunda ordem a modifique.

Transmita-se o teor da presente decisão, por mandato, diretamente para a

autoridade, a fim de que a cumpra.

Cite-se.

Intime-se

Brasília, 19 de maio de 2011.

ANTÔNIO CORRÊA

Juiz Federal, Titular da 9ª Vara da

Seção Judiciária do Distrito Federal

 
 




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